terça-feira, 25 de novembro de 2008

O Brasil amordaçado de Amaral Netto

Amaral Netto, jornalista, repórter, apresentador e político (deputado federal), teve 8 mandatos pelo PMDB/RJ, defendia a pena de morte e os governos militares, utilizando equipamentos de telejornalismo sofisticados para a época para inventar um Brasil que não existia.
"Amaral Netto, o Repórter" invadia as casas dos telespectadores com matérias maquiadas, implantando pensamentos positivos do governo. "Sinto-me feliz todas as noites quando assisto ao noticiário. Porque, no noticiário da TV Globo, o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz”, palavras do então presidente Emílio Médici.

A Globo, emissora hegemônica, nas mãos de empresários, soube navegar nesse mar de ambigüidade por se colocar como líder do processo dessa modernização conservadora da vida brasileira: o ideal do progresso material sem distribuição de renda, vendido como ideologia por um elenco de astros, inimaginável em qualquer outro espetáculo brasileiro. Tal cumplicidade criou condições para o aparecimento de repórteres aduladores do governo autoritário. Esta relação tornou-se comum em algumas emissoras na década de 1970 e foi chamada de função "Amaral Netto".

A escolha dos profissionais que deveriam assumir cargos importantes nas empresas jornalísticas sempre estava sujeita ao veto dos órgãos de segurança. É ilustrativo o depoimento do Ministro da Justiça Armando Falcão (1973-1979), afirmando que o empresário Roberto Marinho, dono da Rede Globo, nunca havia lhe dado nenhum trabalho nem lhe ocasionado nenhum incômodo na veiculação das notícias e na cobertura dos fatos.

O programa de documentários apresentado pelo deputado Amaral Netto era o grande propagandista do Brasil Grande, mostrando, em tom de samba-exaltação, os feitos do regime militar, como a hidrelétrica de Itaipu e a rodovia Transamazônica. Segundo Amaral Netto, o projeto teria sido cancelado por pressão dos oposicionistas, tendo sido necessária a intervenção do governo sobre o Sr. Roberto Marinho para neutralizar a ação da máquina esquerdista. Jesus Narvaez, o mexicano Chucho, que era diretor e fotógrafo do programa, não se lembra do episódio e garante que o programa nunca foi de direita, como acusavam. "O que acontecia é que tínhamos muito apoio das Forças Armadas para fazer nossas reportagens, e, por isso, retribuíamos fazendo homenagens ao Dia do Soldado, Dia da Bandeira.

Os documentários enviavam para dentro das casas imagens de um Brasil quase lenda, uma terra mal conhecida e nem sequer concebida. De certo, sabemos apenas que o repórter esteve lá. Nos confins do imaginável, mostrando a verdadeira face de regiões que permaneciam envoltas em mistério e fantasia.






O clima é bem próximo do que vemos ainda agora nos filmes de natureza, com uma mistura de suspense e heroísmo, iniciado mesmo antes da chegada ao objetivo do programa, já nos percalços que esperam a equipe de Amaral ao longo de sua jornada ao mistério, com o perigo da própria vida. Amaral, porém, arrisca tudo, vence e "esteve lá". Ainda que com a ajuda de aviões da FAB, corvetas da marinha, experts de militares para dar a palavra "científica" final sobre o Brasil desconhecido. E, é claro, Amaral chega lá com suas câmeras e aparato tecnológico.

Todos esses elementos concatenados instituíram um olhar agressivo sobre a natureza brasileira, plenamente integrado ao momento político e ao estágio de aprimoramento tecnológico que o país atravessava. Em suma, um narrador agressivo, buscando tornar inteligível um espaço hostil e exuberante, uma alegoria de Brasil forjada pelas elites de então, também agressivas. Essas elites acreditavam estar realizando um grande salto econômico e tecnológico, a grande modernização conservadora. Nesse ideário delirante, Amaral é quase um poeta embriagado, transmitindo informações e promessas inverossímeis e espetaculares.
Nesse movimento de mostrar o país como em um permanente "estado de guerra" entre natural e civilizado, Amaral, não apenas se liga ao ufanismo militarista do momento, mas, aproxima sua linguagem dos programas de auditório, a estética popular vigente da TV de então. A natureza vira espetáculo, ainda que grotesco. E, para tanto, valia tudo, até mesmo "corporificar" o natural: a pororoca vira "o monstro das mil faces" e o Atol das Rocas, uma inusitada "ilha do nada". "A hidrelétrica de Itaipu, a ponte Rio-Niterói seriam elementos 'cheios', plenos de racionalidade e funcionalidade, enquanto espaços como Rocas se definiriam pelo vazio, a despeito de sua riqueza biótica." O exagero chegou mesmo a incomodar alas do regime militar, que odiavam o ufanismo sem consistência de Amaral, que acaba por funcionar contra a propaganda oficial, cuidadosamente urdida.

Gostem ou não os herdeiros e os defensores entusiasmados da Globo, a verdade é que a história da emissora se confunde com a ditadura no Brasil. A proximidade do empresário com o regime militar passou, mais de uma vez, dos limites do razoável para constituir sua alma publicitária. A intimidade foi de tal ordem, que se dizia, não sem razão, que a Globo, virtualmente, dividia o governo do Brasil com os generais. E, para fixar na mente do brasileiro o emblema daqueles tempos, será, certamente, o programa "Amaral Netto, o Repórter", apoiado nas imagens da natureza selvagem domada pela violência militar, que reproduzirá o lema-inscrição da ditadura: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.


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