quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Ainda somos Tropicalistas?


1964: o Brasil passa por um furacão

A Guerra Fria – disputa entre as superpotências dos EUA e URSS – alimentava conflitos na América Latina e no Brasil. Em 1959, a Revolução Cubana transformou Fidel Castro e Che Guevara em heróis internacionais e atiçou a pressão capitalista sobre os países do terceiro mundo.
Por aqui, o presidente João Goulart propôs reformas para amenizar a desigualdade social e as pressões políticas que vinha sofrendo dos movimentos de esquerda. Contra essas propostas, surgiu um movimento da direita, que venceu a esquerda com o golpe militar.
O Exército e seus aliados civis depuseram o presidente Jango e entregaram o poder aos militares. O golpe, apoiado pelos americanos, rompeu o jogo democrático brasileiro.
Castelo Branco se tornou o primeiro de uma série de generais-presidentes ditatoriais. Seu substituto, Costa e Silva, governou o País de 1967 a 1969, cada vez com mais poder.
Culturalmente, o país fervilhava. Até 1968, movimentos de esquerda agiam livremente, com pequenos problemas de censura. No entanto, as tensões chegaram ao ápice no final desse ano. As greves e as manifestações estudantis se intensificaram. Costa e Silva, pressionado pela extrema direita, respondeu com o endurecimento político. Em 13 de dezembro, o Ato Institucional Nº 5 decretou o fim das liberdades civis e de expressão. O governo de militares teve fim em 1984, quando o general João Figueiredo deixou a presidência do País.
O que foi o Tropicalismo?



No final dos anos 60, nasceu um movimento explosivo que deixou estilhaços na cultura brasileira e modificou a linguagem da música popular até os dias de hoje: o Tropicalismo.
A preocupação era a discussão do novo. Os tropicalistas pensavam e propunham uma nova imagem do Brasil. A canção era o suporte de ideologias, com novos arranjos. O samba foi impulsionado, tanto quanto o folclore e a música rural/urbana. As músicas integravam efeitos eletrônicos, mas era nítido também o encontro da música e da poesia, entre melodia e texto.
O ponto de partida do Tropicalismo foi o Festival de MPB da Record, em 1967, onde Caetano apresentou sua marchinha pop Alegria, Alegria, e Gilberto Gil causou impacto com a música Domingo no Parque.
A polêmica da apresentação transformou Caetano e Gil em astros. A imprensa fez declarações, associando o movimento ao psicodelismo, aos comportamentos hippies, à música pop e ao “cafonismo”.

O Tropicalismo ressaltou que o Brasil não era um país perdido, devastado, poderia ser reinventado. O movimento durou pouco mais de um ano e acabou reprimido, porém a cultura do país foi marcada pela descoberta da modernidade. O Tropicalismo firmou, de fato, nossa identidade cultural.

Sobre o nascimento do tropicalismo, Gilberto Gil dá sua versão:

“Na verdade, eu não tinha nada na cabeça a respeito do tropicalismo. Então a imprensa inaugurou aquilo tudo com o nome de tropicalismo. E a gente teve que aceitar, porque tava lá, de certa forma era aquilo mesmo, era coisa que a gente não podia negar. Afinal, não era nada que viesse desmentir ou negar a nossa condição de artista, nossa posição, nosso pensamento, não era. Mas a gente é posto em certas engrenagens e tem que responder por elas”.

No final do Tropicalismo, em 1968, Caetano apresentou-se no TUCA, cantando É Proibido Proibir. Muitas vaias e poucos aplausos. Ele, então, interrompeu a apresentação e discursou, violentamente, para o júri e o público – Discurso Happening -, sendo posteriormente eliminado do festival.
Confira abaixo o discurso na íntegra:


“Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê‑la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu!
Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso!
Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem... se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês... O júri é muito simpático, mas é incompetente.
Deus está solto!
Fora do tom, sem melodia. Como é júri? Não acertaram? Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por fora. Gil fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver.
Chega!”





Movimento Antropofágico



A atividade dos tropicalistas estava ligada à Semana de 22 e a antropofagia oswaldiana. Os primeiros passos rumo ao modernismo ocorreram quando Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Heitor Villa Lobos realizaram A Semana de Arte Moderna de 22, que criou polêmica e abriu novas perspectivas, renovando a linguagem artística.
A concepção de Oswald de Andrade tinha como base a teoria e a prática da ‘devoração’. Isto está ligado às práticas que eram comuns em sociedades tribais/indígenas do Brasil, como por exemplo, ingerir a carne dos inimigos aprisionados em combate para ganhar suas energias e forças. Esta expressão passou a ser usada como metáfora no modernismo, significando uma assimilação dos valores culturais estrangeiros transportados para o Brasil, além do realce da cultura interna, reprimida na colonização.
Como antropófagos, somos capazes de produzir algo genuinamente nacional, sem cair na antiga relação modelo/cópia, que dominou uma parcela da arte.

Pré-Tropicalismo

Quando a bossa nova explodiu no Brasil, ela já existia há muito tempo no mundo. A musa da bossa nova, Nara Leão deu início ao movimento com a ajuda de João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius, entre outros. Porém, com o passar do tempo, Nara notou que, apesar do sucesso, a bossa nova era apenas voltada à elite e as canções eram meras ilusões.
Nara então gerou polêmica, pois passou a cantar músicas do Cartola, Pixinguinha, Noel Rosa, como "Samba de Morro", e rompeu com a bossa nova.
E nada de sorriso, amor e flor. Nara lutava por justiça social, usando como principal arma a sua música.

Os principais nomes e sobrenomes do Movimento Tropicalista

Muitos foram os nomes de grande importância para o movimento, mas vamos citar alguns deles e relatar, de maneira sucinta, suas participações e contribuições.

Helio Oiticica (criador da obra Tropicália)

A Tropicália foi um projeto ambiental do arquiteto e artista plástico Hélio Oiticica, exposto na “Nova Objetividade Brasileira”, no MAM do Rio de Janeiro, em 1967. Era um ambiente formado por duas tendas que o autor chamava de ‘penetráveis’, onde o público passava por experiências sensoriais – tato, olfato, paladar e visão. O cenário era composto de areia, brita espalhada pelo chão, araras, vasos com plantas e uma espécie de labirinto que percorria a tenda principal, às escuras. Ao fundo, havia uma televisão ligada, totalmente contra os padrões tradicionais da escultura e da pintura.
O conceito de Tropicália representa um estado brasileiro como elemento importante na cultura nacional, sendo que Tropicália, como um todo, define: exuberância, cafonice, aparatos coloridos e apoteóticos, flores, frutas, selva e por outro lado toma certo ar de bagunça.



Marcel Duchamp
Duchamp, artista plástico, inventou o ready made, que, na verdade, era um urinol comum, branco e esmaltado, que passou a ser incorporado em suas obras. Na capa do disco “Tropicália ou Panis et Circens”, Rogério Duprat aparece segurando um urinol, em representação a Duchamp e seu ready made.

José Celso Martinez - Peças Teatrais
Zé Celso comandou em 1967 a peça ”O Rei da Vela”, no Teatro Oficina. Inovou e buscou novas linguagens para o teatro. Em 1968, Zé dirigiu a peça “Roda Viva” de Chico Buarque. A peça simbolizou a resistência à Ditadura Militar. Cem integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiu o Teatro Galpão, espancou os artistas e depredou o cenário.

Glauber Rocha - Cinema Novo
O Cinema Novo foi uma das influências mais significativas do Tropicalismo. A partir da exibição dos filmes “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Terra em Transe”, dirigidos por Glauber Rocha, determinou-se um novo impulso criativo na composição das letras musicais.

Torquato Neto
Torquato foi um dos principais colaboradores e mentores intelectuais do movimento tropicalista. Estudou jornalismo no Rio, e mesmo sem concluir o curso, trabalhou em jornais cariocas como o “Correio da Manhã” e “Última Hora”. Foi um importante letrista de canções do tropicalismo.
Durante o exílio de Gil e Caetano, morou em Londres com sua mulher. Voltou no início dos anos 70 e isolou-se, alienado pelo regime militar. Passou por internações para tratar do alcoolismo e rompeu amizades.



Após completar 28 anos, ligou o gás do banheiro e suicidou-se, deixando um bilhete:

"Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar". Thiago era o filho de três anos de idade.


José Carlos Capinan
Jornalista nascido na Bahia, deixada claro em suas obras as preocupações sociais e políticas do movimento. Compôs com Gilberto Gil a canção Soy Loco por Ti, América e venceu o Festival de MPB da Record, em 1967, com a canção Ponteio, em parceria com Edu Lobo.

Tom Zé
Sua infância foi no sertão baiano. Em Salvador, conheceu Gil, Caetano, Bethânia e Gal Costa no espetáculo Nós Por Exemplo n° 2, no Teatro Castro Alves. Tornou-se então, um grande compositor, cantor e arranjador musical. Com seu pop experimental e inovador, ganhou o Festival da Record de MPB, em 1968, com a canção São, São Paulo, Meu Amor.
No movimento, Tom Zé não se integrou a uma carreira mais convencional. Depois do exílio, no início dos anos 90, o compositor e intérprete americano David Byrne conheceu algumas de suas obras e levou-o para os Estados Unidos, onde suas canções ganharam dimensão internacional. Sem dúvida, Tom Zé é até hoje uma voz alternativa influente no cenário musical brasileiro.

Os Mutantes
Sua primeira formação teve como integrantes: Rita Lee, Sérgio Brito e Arnaldo Batista, tornando-se a banda de rock mais original do cenário musical brasileiro. Suas canções, anárquicas e experimentais, misturavam psicodelia, Beatles, música concreta, erudita e até mesmo o samba. Tudo isso com muita distorção e guitarra.
Junto com os Tropicalistas, Os Mutantes participaram de vários programas musicais, tal como o Festival da Record, em 1967, contribuindo com a música “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil. O Festival abriu as portas para a banda, que deslanchou.
Rita Lee gravou discos solos e teve grande destaque. O fim dos Mutantes foi em 1976, porém a banda ressurgiu em 2006, com uma nova cantora, Zélia Duncan.

Rogério Duarte
Artista gráfico, músico e compositor, criou cartazes para os filmes de Glauber Rocha. Considerado um dos mentores intelectuais do movimento, também elaborou capas do discos. Rogério foi um dos primeiros a ser preso e a denunciar publicamente a tortura no regime militar.

Rogério Duprat
Compositor e maestro, Duprat ficou conhecido pelo seu envolvimento com o Tropicalismo ao fazer arranjos nas canções de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes, Gal Costa, Nara Leão, entre outros.






Fotos dos Tropicalistas:

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