sexta-feira, 7 de novembro de 2008

30 ANOS SEM VLADO

Exitem coisas que só valem uma vez. A segunda, geralmente é decepcionante. Filmes por exemplo. As continuações são frustrantes.
É justamente isso o que aconteceu na Praça da Sé, na Catedral de São Paulo, no dia 23 de outubro, um domingo cinzento e chuvoso, no ato de homenagem aos 30 anos do assassinato de Vladimir Herzog por agentes da ditadura de 64 e pela paz.
Para quem já leu a história de Herzog, conhece o cenário naquela sexta-feira, 31 de outubro 1978. São Paulo estava inquieta e cheia de disse-me-disse e ameaças. Falava-se do ato público na Catedral meio que no boca-a-boca, sobre uma possível invasão policial da praça para impedir e prender todos que estivessem no local.
Mesmo assim, com a cidade sitiada, muita gente foi a Praça - 8 mil pessoas, segundo vários livros. Existe uma frase popular - e verdadeira - muito conhecida, "a história quando se repete é como farsa". Essa foi a sensação de muitos que participaram do primeiro movimento e que compareceram na Praça trinta anos depois.
Políticos de tudo quanto é legenda - PT, PMDB, RDB, CDB - e por aí vai. Aproveitadores usando um ato histórico de grande importância para nossa sociedade para bancar de bom moço com intenções no pleito municipal.
Mas a entrega do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos foi bem diferente. Noite de primavera paulistana. Céu limpo, temperatura amena e um leve sopro de vento. Esse é o cenário que testemunha mais uma entrega do prêmio Vladimir Herzog no teatro da PUC – TUCA.
Cheguei em cima da hora para pegar os jornalistas de nome e renome para uma entrevista. Não seria a primeira, mas sim uma das mais importantes entrevistas até o momento na minha carreira estudantil.

Na entrada do TUCA encontrei o jornalista Ricardo Kotsho. Paulista de 60 anos, 40 deles dedicado ao jornalismo. Dono de um estilo inconfundível e mestre na arte maior da sua profissão — a reportagem. Em suas andanças como jornalista, Kotscho viajou o país todo, sempre ajudando a contar a história recente do Brasil. No nordeste cobriu o desastre aéreo que matou o ex-presidente Castello Branco, em 1967. Na capital paulista, cobriu o traumático incêndio do edifício Andraus, em 1972. Já no planalto, investigou as mordomias de que gozavam superfuncionários, na série de matérias que o projetou como jornalista, em 1976, e lhe rendeu o primeiro prêmio Esso – Kotsho possui três desses.

Sua participação ativa na campanha das Diretas, em 1984 também não poderia deixar de ser lembrada. Sempre atuante, Ricardo Kotscho este ano foi homenageado com troféu de Direitos Humanos com o 60º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, pela ONU.
Numa conversa descontraída, falou que não esperava receber a indicação muito menos o prêmio. “É legal porque não é um prêmio que você se inscreve” declara o jornalista. “Parece que ganhou na loteria sem ter comprado o bilhete, sem ter jogado, entende?” conclui Koscho. O jornalista ainda completa dizendo que fica contente em saber que a votação do prêmio é feita pelos colegas de profissão e é isso que faz toda a diferença em receber algo assim. Com uma votação criteriosa, onde mais de quinhentos jornalistas votam para decidir os cinco jornalistas homenageados pela ONU, o troféu tem o valor simbólico da luta por Direitos Humanos no mundo.

Esse foi o 30° prêmio Vladimir Herzog. E de todos que Ricardo Koscho já presenciou, declara que não se lembrar das matérias, mas não esquece que foram em 1981 e 1983, edições onde o jornalista foi premiado. Exerceu a profissão no período mais negro da nossa história brasileira. Afirma que nunca foi ameaçado de morte por causa das suas idéias e matérias. “Não, nunca sofri ameaças. Eu sempre fui muito cagão, medroso e isso foi bom, porque me manteve longe dos conflitos diretos (risos)”, declara o jornalista.
Mesmo não recebendo ameaças, Koscho foi orientado a morar fora por um tempo. Foi para Alemanha depois de denunciar a morte de um operário. “Depois de escrever uma matéria denunciando a morte do líder operário Manuel Fiel Filho, aliás, a morte dele era semelhante a do Herzog. Então, saí do Brasil por um tempo e continuei ajudando a denunciar os crimes aqui do país”, conta Ricardo.

O movimento de pessoas entrando no TUCA era grande e lá dentro já iniciava a cerimônia ao som do Hino Nacional em ritmo de samba. Foram feitas homenagens aos jornalistas já falecidos, casos de Perseu Abramo e Lourenço Diaféria – este morto em setembro deste ano - antecedendo a entrega dos troféus aos premiados em nove categorias.
Além do 30º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, o Sindicato também promoveu o 4º Prêmio Vladimir Herzog de Novos Talentos, voltado para estudantes de Jornalismo de São Paulo. Houve homenagem à família Teles pela vitória na ação que obriga o Estado a responsabilizar o comandante do DOI CODI de São Paulo entre 1970 e 1974, coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, pela série de torturas a que membros da família foram submetidos.

Um momento marcante é a crítica do Ministro Vanucchi sobre a posição da Advocacia Geral da União e colocou publicamente a sua posição a respeito da responsabilização dos crimes de tortura durante a ditadura militar. “Nosso Governo, por determinação do próprio presidente Lula, tem desenvolvido uma série de ações voltadas para o direito à memória e à verdade. E a manifestação jurídica da Advocacia Geral da União, sem desqualificar ou condenar sua atribuição que é defender a União, evidentemente produziu uma peça que tem uma manifestação de posições que são inaceitáveis para os direitos humanos, que colidem com a posição minha, com a posição do Ministério da Justiça, de vários outros ministérios.”, argumentou.“Vou levar ao presidente a idéia de que isso tem de ser superado, com a unificação de uma posição clara.” afirmou. “Quando a AGU tiver de fazer uma manifestação como essa, não pode adiantar pontos de vista, como dizer que a tortura é crime prescritivo, porque o Governo não tem posição sobre isso.”, concluiu o ministro.

Outro momento de comoção foi a chegada de Clarice Herzog no teatro. Aplaudida desde a entrada até o momento que se sentou para assistir, mais uma vez, a homenagem a seu companheiro do passado. Atenta a tudo sempre calada, ficou difícil de decifrar o que se passava no pensamento daquela mulher depois de 30 anos de um crime covarde.

Nenhum comentário: