domingo, 2 de novembro de 2008

Entrevista Nelson Traquina

Estudos da prática jornalística
Livro "O estudo do jornalismo no século XX "
Por Luís Eblak





Por que é importante estudar teorias do jornalismo?
Nelson Traquina – O campo jornalístico ocupa um lugar central no espaço público das sociedades contemporâneas. Assim, os estudos sobre o jornalismo que refletem sobre a questão por que as notícias são como são podem contribuir para uma análise do seu papel nas democracias. A resposta à pergunta se o campo jornalístico é um campo fechado às "vozes alternativas" ou um campo com autonomia suficiente para assumir um papel próprio no processo de produção das notícias, um recurso social que os diversos atores sociais procuram mobilizar para os seus objetivos, seria um contributo importante para compreender melhor o poder do jornalismo.

Em diversos momentos de sua obra, o senhor chama o livro de "manual". Por quê?
N.T. – Sou da opinião que os saberes técnicos são insuficientes na preparação dos futuros profissionais do campo jornalístico. Freqüentemente é esquecida a importância da teoria. Conceber o jornalismo como um campo, um campo que tem um recurso que é cobiçado por outros atores sociais, nomeadamente, as notícias; que, muitas vezes, os acontecimentos são atos intencionais em que os "criadores" são "promotores"; a linguagem de [Harvey] Molotch e [Marilyn] Lester [autores do artigo "As notícias como procedimento intencional: acerca do uso estratégico de acontecimentos de rotina, acidentes e escândalos"]; que as notícias são o resultado de processos de interação social, incluindo a interação entre os membros da comunidade profissional. Estes ensinamentos explicam a utilização do livro visto como um "manual".

O senhor apresenta a idéia do jornalismo definido entre dois pólos: o ideológico e o econômico. Na sua opinião, há um equilíbrio entre esses dois pólos no jornalismo praticado hoje? Ou há o predomínio de algum deles?
N.T. – O jornalismo como campo que tem dois pólos dominantes – o pólo econômico (identificado com a idéia-chave que o jornalismo é um negócio) e o pólo ideológico (identificado com a idéia-chave que o jornalismo é um serviço público) – não é [um conceito] meu, mas do sociólogo francês Pierre Bourdieu, exposto no seu livro Sobre a televisão. A tensão entre estes dois pólos é uma constante desde os meados do século 19 nalguns países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, mais cada vez mais em desequilíbrio a partir dos anos 70 do século 20, devido a múltiplos processos, como 1) a transformação da estrutura econômica das empresas jornalísticas, cada vezes mais partes integradas de empresas mediáticas; 2) a sua crescente internacionalização ou globalização; 3) a desregulamentação selvagem do setor audiovisual em muitos países europeus. Predomina cada vez mais o pólo econômico. Esta associação tem levado à crescente desconfiança do público em relação ao jornalismo, isto é, às notícias. O jornalismo perde credibilidade, o que deve constituir uma preocupação para os profissionais que dedicam a sua vida a esta atividade.

Na sua obra, o senhor coloca bem vários valores que definem o conceito de notícia. Senti falta, no entanto, de uma preocupação sua com a idéia de novidade, ou seja, daquilo que é "novo" para o leitor/telespectador/ouvinte.
N. T. – Este assunto será desenvolvido no volume 2 de Teorias do Jornalismo, que já foi publicado em Portugal com o título A tribo jornalística e que é essencialmente uma sociologia dos jornalistas, com uma exploração da hipótese teórica de que os jornalistas fazem parte de uma "comunidade interpretativa" transnacional, um dos vertentes mais centrais do jornalismo global.

Em Teorias do Jornalismo, o senhor cita a frase de Thomas Jefferson segundo a qual não há democracia sem liberdade de imprensa. Após a releitura dessa frase, fiquei imaginando os EUA de hoje. O governo de George W. Bush tem usado a mídia a favor de suas empreitadas, principalmente na guerra do Iraque. Para isso, utilizou a figura dos jornalistas "embutidos". Depois, para propagar histórias fictícias (como o caso Jessica Lynch). Tivemos o New York Times pedindo desculpas a seus leitores pelo fato de o jornal não ter sido suficientemente crítico às versões oficiais do governo sobre o Iraque. Eu costumo dizer a meus alunos que o jornalismo tem sido manipulado no país que o criou. O que o senhor pensa disso?
N. T. – No quadro teórico das notícias como construção, o resultado de processos de interação social, incluindo as importantes interações sociais entre os jornalistas e as suas fontes de informação, denominados "promotores", as notícias sobre o Iraque constatam como a administração Bush foi o "definidor primário" e dominou o processo de produção das notícias, em parte devido à "fraqueza" das posições alternativas norte-americanos e à demissão da comunidade jornalística norte-americana, muito sensível à questão do seu patriotismo no contexto pós-11 de Setembro. A palavra "manipulado" tem sentido se houvesse "mentiras" – uma questão central da investigação [levada a cabo na BBC] sobre o caso [David] Kelly, na Grã-Bretanha.

Publicada originalmente no site http://www.observatoriodaimprensa.com.br/

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