quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Cleisla Garcia, premiada com reportagem sobre Camboja, segue exemplo do jornalismo de Vlado

Cleisla Garcia (a direita) com o senador Eduardo Suplicy, equipe da Record e do SBT

O 30º Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos e Anistia destacou, entre os jornalistas premiados, como Cleisla Garcia, a luta incansável por uma sociedade mais justa. Para os estudantes desta primeira década do século XXI, a história de Vladimir Herzog é tão desconhecida quanto dos milhares de brasileiros que morreram lutando contra a ditadura.
Para nós, estudantes de Jornalismo, é preciso lembrar, sempre. Vladimir Herzog nasceu em 1937, na antiga Iugoslávia, e chegou ao Brasil em 1942. Formou-se em Filosofia na USP e se tornou jornalista do Jornal O Estado de São Paulo em 1959. Sua trajetória no jornalismo foi tão importante quanto no cinema, como documentarista.
Mas, vivendo, como todos os jornalistas, sob o totalitarismo, foi obrigado a prestar depoimento sobre sua relação com o Partido Comunista, na sede do DOI-Codi (Departamento de Operações e Informações, Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo. Na noite do dia 25 de outubro de 1975, aquele que era simpatizante do partido e nunca se envolveu em ações armadas, foi brutalmente torturado e encontrado morto em sua cela, enforcado com um cinto e com os seus joelhos dobrados. A sociedade brasileira nunca aceitou a versão de suicídio criada pelos militares.
Alguns anos depois, foi criado o “Prêmio Vladimir Herzog”, em sua homenagem. A premiação tem como papel ressaltar trabalhos realizados na mídia que tratam de temas relacionados aos Direitos Humanos.

Na noite do último dia 27 de setembro, na 30º edição do Prêmio, no TUCA, teatro da Pontifica Universidade Católica de São Paulo, a tradição de trazer a memória de jornalistas honrados e defensores dos direitos humanos foi marcada com a presença de Clarice, viúva, e de Ivo, filho de Vladimir Herzog.

Para Cleisla Garcia, repórter da TV Record, premiada também em 2007, na categoria “Reportagem de TV”, com a série “Guerreiras do Brasil”, a menção honrosa de 2008 pela reportagem “Camboja, reino destruído”, é uma honra. Procurei conversar com Cleisla no final da cerimônia de entrega dos prêmios quando já estava indo embora. Corri atrás dela: “Cleisla! Você está com muita pressa?” - perguntei afobado. “Estou um pouquinho. Porque?” respondeu apressada. “Tem como você me dar uma entrevista? É rapidinho.”- insisti. “Posso claro!” disse ela imediatamente. “Mas pode ser lá no lado de fora? É que eu chamei um táxi.”

Foi assim que me apresentei à repórter que esteve em Camboja, como estudante de jornalismo e que admirador do seu trabalho. De primeira, perguntei a ela qual era a sensação de ter seu trabalho reconhecido desta maneira. Afinal não era a primeira vez que era premiada.
“O Herzog é um prêmio muito especial. Acho que por conta desta conotação dos Direitos Humanos, por conta da tradição, da humanidade do prêmio e principalmente pelo jornalismo que está em jogo. Ganhar um Herzog de nada tem a ver com a vaidade, é o orgulho de que você está no caminho certo. Isso não deve servir para se envaidecer, mas para você ganhar, cada vez mais, na apuração, se empenhar em temas que por mais dolorosos que sejam, tenham um ponto positivo, que sirva para alguma coisa. Acredito que, depois do Herzog, talvez eu tenha ficado mais exigente, comigo mesma.”

“E como equilibrar sentimento e frieza em coberturas que mexem com o emocional?”, questionei. “Na verdade, para você fazer qualquer coisa bem feita, você tem que acreditar no que está fazendo, depois de acreditar, você tem que se envolver. Eu não acredito em jornalismo sem envolvimento. Isso é uma opinião muito contraditória, mas eu, particularmente, acredito que a sua sensação é o que vai fazer com que quem está te assistindo acreditar naquilo. E acho que eu não tô equivocada, já que encontro nas ruas pessoas dizendo: 'Nossa quando eu escutei a sua voz realmente achei que você se emocionou.' Creio que a credibilidade está muito ligada a você acreditar e de alguma maneira se envolver.”

Ouvindo esta resposta imediatamente comentei sobre uma cena da série que ela recebeu o prêmio em 2007: “Foi quando você sentou em um salão de cabeleireiro infantil, e as crianças começaram a te maquiar. Ao olhar no espelho você se assustou, mas disse que estava lindo. Você transmitiu muita emoção naquele momento.” Cleisla, contou o seu método de reportagem:“Na verdade, tem muita coisa que eu faço durante a matéria que a intenção não é usar. É simplesmente ganhar a confiança das meninas, descontrair, chegar onde quer e se divertir um pouco. O resultado, às vezes, surpreende tanto que entra no ar. Nem tudo que você faz vai ser usado, mas geralmente quando o editor volta a fita na máquina, ele fala: 'Poxa, que bacana. É isso que eu quero!'. Quando você faz com a intenção de aparecer, é diferente e o telespectador sabe. E quando é tudo muito natural, ele também percebe. Então eu acredito muito nisso.”

“E como foi fazer a reportagem no Camboja?” perguntei, curioso. “Foi muito perigoso! Entrar no Camboja de uma maneira clandestina... Fomos lá para abordar outros assuntos muito mais fáceis e acabamos fazendo uma reportagem bastante complicada sobre o tráfico de seres humanos, e, em especial, das crianças e a pedofilia. Então no Camboja todos os momentos foram tensos e por várias vezes a gente achou que não voltaria, até por isso que foi tão marcante. Até passar com as fitas no aeroporto, só podemos respirar aliviados quando chegamos na Tailândia.”

Perguntei como se deu essa infiltração no país e Cleisla explicou: “Entramos como turistas, fomos para Tailândia, e de lá pegamos um trem até a fronteira com o Camboja, descemos um pouco antes e atravessamos a pé como milhares de pessoas fazem.”

Questionada sobre a importância deste trabalho de reportagem, o que mais havia marcado a jornalista, ela nem pensou para responder: “A venda da criança! O pai vendendo a filha.” Durante a gravação da série, um pai tentou vender a própria filha por R$ 80 à equipe de reportagem da TV Record. O olhar daquela criança chocou e emocionou a todos os que assistiram o jornal naquela noite. A jornalista abraçou a menina e chorou, levando com ela, para sempre, o olhar de súplicas daquela garota, que já estava com a vida condenada.

“Para terminar qual que é a dica que você deixa para um estudante de jornalismo?”- perguntei curioso. Direta e firme, aconselhou: “Não desista! Acredite em você. E não acredite em ninguém, que não seja você mesmo.”

Não desistir? Esta é a melhor lição em uma noite que relembramos Vlado e a luta por direitos Humanos no Brasil. São nessas horas que lembro o motivo pelo qual escolhi Jornalismo. Sei que não vou conseguir mudar o mundo sozinho, mas posso contribuir um pouquinho com o meu trabalho. Creio que o Vladimir Herzog estaria muito feliz ao saber que o seu nome tem inspirado trabalhos tão humanos e belos como este de Cleisla.

Um comentário:

Nat Fernandes disse...

Linda entrevista...adorei!!! Além do mais sempre é bom lembrar um pouco da história do Vlado para nunca nos esquecermos o quanto podemos fazer a diferença.