quinta-feira, 6 de novembro de 2008

"Com certeza os jovens jornalistas serão melhores que a nossa geração", dispara Dorneles

Lá estava eu no Tuca à espera de fazer boas entrevistas. O coração teimava em bater acelerado...a emoção era forte, mas o espírito de repórter falou mais alto e nada, nem o nervosismo atrapalhou as entrevistas da noite no 30°prêmio jornalístico Vladimir Herzog de Direitos Humanos e Anistia.

Saí de casa esperando entrevistar Carlos Dorneles, jornalista experiente que já trabalhou no jornal Folha da Manhã, na Zero Hora e na RBS-TV, em Porto Alegre. Em São Paulo, foi um dos mais competentes jornalistas da TV Globo, onde iniciou carreira em 1983, mostrando seu talento em grandes reportagens do Jornal Nacional e Globo Repórter. Também atuou como correspondente internacional em Londres e Nova York nos anos de 1988 a 1992 e terminou sua carreira na Globo trabalhando no programa Globo Rural. Atualmente, é jornalista contratado da TV Record.



Dorneles foi o vencedor do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria livro-reportagem "Bar Bodega: Um crime de imprensa" . O livro conta a história do denominado crime do Bar Bodega ocorrido em 10 de agosto de 1996, no qual dois jovens da classe média paulistana morreram de forma brutal, comovendo a opinião pública. A policia, pressionada, apresentou aqueles que seriam os responsáveis pelos assassinatos 15 dias após o evento, porém os falsos acusados foram libertados por falta de provas.


Para se ter uma noção mais clara do que ocorreu na época em relação ao papel da imprensa, cito aqui um trecho do livro: "Seria a imprensa também a provocadora da ação desvairada que vitimou jovens inocentes que injustamente foram presos, sem qualquer interferência, é verdade, quanto aos sofrimentos experimentados? A resposta é sim. Arvorou-se uma parte da imprensa em defensora da sociedade e exerceu uma pressão insuportável e incompatível com o bom senso. De há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e assumiu ares de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e explorar a miséria humana, sem se dar conta dos seus limites. Passaram a acusar, julgar e penalizar com execração pública. A lição ainda não serviu. Diariamente continuam explorando as notícias na corrida louca da audiência que, na verdade, tem por finalidade o lucro, o dinheiro dos patrocinadores que não têm qualquer escrúpulo em mostrar seus produtos, à custa da degradação..."


Tudo ocorreu melhor do que eu pudesse imaginar, meu entrevistado, Dorneles, chegou cedo e pude falar com ele antes da entrega das premiações. Muito simpático, ele concordou em conversar um pouquinho comigo. Comecei perguntando justamente sobre o livro, como foi seu desenvolvimento. Ele respondeu: “Esse fato, que é o crime do Bar Bodega, aconteceu em 1996, na época eu achei uma coisa tão incrível o papel que a imprensa fez, que não era diferente do que faz normalmente, mas nunca ficou tão escancarado o papel nefasto da imprensa, usando com relações absolutamente corruptas, inadmissíveis, com política e poder. E achei que esse fato era exemplar, eu fiquei imaginando o que iria acontecer na vida desses rapazes que foram barbaramente torturados com a conivência da imprensa. Eu pensei, na época em 1996, de escrever um livro sobre esse assunto, mas aí eu queria esperar dez anos pra ter tempo suficiente pra saber o que ia acontecer na vida deles, mais do que isso já era demais e menos do que isso não dava pra ver o resultado de tamanha injustiça na cabeça do jovem. E aí foi o que eu fiz, esperei dez anos e fui procurá-los. Eram nove envolvidos eram, alguns estavam presos, dois tinham sido mortos, três nunca se envolveram com problemas nenhum e continuaram não se envolvendo, tocaram sua vida.”

Aproveitando o fato de Carlos Dorneles citar que a impressa muitas vezes tem um papel nefasto na vida das pessoas, perguntei como ele analisa o atual cenário do jornalismo. Com certa tristeza nos olhos ele disse:
“Mal, estamos muito mal, talvez um dos piores períodos que a gente já atravessou nos últimos 100 anos, ou pelo menos nos últimos 30, que eu lido com jornalismo. Eu acho que bons jornalistas dentro das redações está cada vez menor, a área comercial, a área industrial, a área empresarial do jornalismo infelizmente, com nosso jeito de fazer jornalismo nós estamos nos transformando em um porta voz de uma classe apenas, que é a elite, a elite econômica, a elite política, infelizmente. Mas, eu sou otimista acho que está tão ruim que a tendência é melhorar.”

E qual seria a solução? - rebati. “Não tem solução para o jornalismo, a solução é pra sociedade. Eu não acredito que o jornalismo melhore enquanto a sociedade não mudar, por isso eu acho que eu sou otimista, porque eu acho que a sociedade vai mudar, e pra melhor, porque o ser humano não foi criado para criar essa sociedade tão injusta. Então, obviamente a gente como pessoa vai procurar uma coisa melhor, e vai ter que achar uma coisa melhor, e não vai ficar assim. E quando a sociedade mudar, o jornalismo será obrigado a melhorar também. Essa é a única solução, não acho que o jornalismo possa mudar independente da sociedade. Infelizmente a classe jornalística não é só linguagem , ela está atrás, na retaguarda da opinião publica, a sociedade está na frente. Eu acredito que o jornalismo vai ter que se atrelar a uma mudança da sociedade, mudar para melhor.”

Para finalizar perguntei se ele acredita em nós, novos jornalistas. Mostrando o otimismo que citou na pergunta anterior, Dorneles respondeu: “Com certeza, vão ser muito melhores do que nós, da nossa geração, e não vai ser difícil, hein... Não podem reclamar, porque não vai ser difícil e porque tem espaço para ser melhor do que a gente.”
Me despedi parabenizado o pelo prêmio e por ter a coragem de poucos ao criticar nosso cenário jornalístico atual.

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