quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Gilberto Nacimento, Rodrigo Martins e Chico Silva denunciam torturadores

Entrevista com Gilberto Nascimento e Rodrigo Martins, repórteres da Carta Capital e vencedores do prêmio Vladimir Herzog – categoria Revista – com a matéria “Um torturador à solta”.





Sentada apenas uma fileira atrás de grandes nomes do jornalismo e da política brasileira, como Caco Barcellos e Eduardo Suplicy, pude acompanhar de perto seus aplausos. A cada salva de palmas, um arrepio. Matérias e reportagens excepcionais foram premiadas, com simplicidade, mas dignas de tal honra.

Platéia lotada. Palco também. Entre menções e prêmios, foram quase 30 vitoriosos laureados em nove categorias: Foto, Artes, Internet, Jornal, Rádio, Documentário de TV, Reportagem de TV, Livro-reportagem e Revista; além dos estudantes de jornalismo - como eu -, que nos dão uma sensação de esperança de um dia também subir ao palco.

Mas, foi ao final da cerimônia que tive a honra e o prazer de entrevistar dois nobres jornalistas, merecedores do prêmio Vladimir Herzog na categoria Revista: Gilberto Nascimento e Rodrigo Martins – e de lambuja outro respeitável nome do jornalismo, Chico Silva.

Gilberto Nascimento, 49 anos, jornalista e especialista em Direitos Humanos pela Universidade de Columbia, tem quase 30 anos de profissão e já passou pelos principais jornais e revistas do Rio, São Paulo e Brasília, além de ganhar prêmios como o Ayrton Senna e o Simon Bolívar.
Rodrigo Gomes Martins, 27 anos, também é jornalista e trabalhou em diversos veículos, tais como o Estado de São Paulo, onde atuou no caderno de tecnologia e no blog Desvenda.

O bate-papo começou com o final de uma entrevista que estava sendo concedida,e Gilberto comparava a questão da anistia no Chile, Argentina e Uruguai - países que abriram parte de seus arquivos da ditadura e já se manifestaram quanto à punição dos torturadores.

Gilberto então contou como iniciou sua busca por Dirceu Gravina, também conhecido pelo codinome JC. “Conversei com ex-presos políticos, fiz uma busca na internet e fui obtendo informações sobre ele. Fui encontrá-lo no 04º DP de Presidente Prudente”. E pra lá seguiu, sem avisar, claro. Esperou pelo delegado durante duas horas em frente à delegacia, para enfim abordá-lo. “Ele ficou muito irritado, uma fera. Se pudesse, faria comigo o que fez na época da ditadura”.

Ao propor a reportagem à Carta Capital, Mino Carta pediu que a história fosse ampliada, citando ainda as ações desenvolvidas por dois procuradores de São Paulo - Marlon Alberto Weichert e Eugênia Gonzaga Fávero. Com as reportagens, Gilberto Nascimento e Rodrigo Martins, contaram parte da história da repressão política, como eram os porões e bastidores da tortura e nos apontaram alguns dos grandes responsáveis.

Rodrigo relata que o aparato de repressão política no Brasil era financiada por industriais e que a própria Operação Oban – musa inspiradora dos Doi-Codi (Departamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna) – foi financiada por empresários. “Só não se sabe mais disso, porque os arquivos da ditadura não foram abertos e essa é outra batalha que continua...”

A Operação Bandeirante - OBAN - foi um centro de informações, investigações e de torturas montado pelo Exército Brasileiro em 1969. Lá, todas as ações de combate aos órgãos de esquerda, contra o regime ditatorial, eram coordenadas. Seu principal membro era o major Carlos Alberto Brilhante Ustra
.

Quanto à repercussão da matéria, Nascimento afirma que desde que houve a publicação, ela veio como uma onda. “Foi a grande primeira matéria publicada sobre o assunto. Antes eram publicadas pequenas notas sobre os processos movidos pelas famílias dos ex-presos - Telles e Merlino -, mas nada mais profundo”.

Depois da divulgação, os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vanucci (Direitos Humanos) se manifestaram publicamente e o tema ganhou mais projeção na mídia. Gilberto ainda escreveu quatro matérias sobre o assunto e localizou mais dois torturadores. Ele alega que a revista Carta Capital foi de extrema importância no processo. “A Carta Capital ajudou a reascender o debate sobre a punição ou não aos torturadores. Naquele momento pouca coisa saía na imprensa e dois ou três meses depois a mídia estava discutindo novamente o assunto”.

Para Gilberto, o Brasil ainda não abriu os arquivos da ditadura. “Embora o Ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanucci, ex-torturado e ex-preso político, achar que vários arquivos já foram abertos, ainda há muita coisa a ser dita: quem são os perseguidos políticos mortos , onde foram enterrados os corpos. Tem muita informação que o governo brasileiro precisa divulgar. O governo ainda nem reconheceu que houve tortura, morte e assassinato no país. A Argentina puniu os torturadores, assim com o Chile e o Uruguai, mas o Brasil não”.

Nascimento acredita que há um movimento de setores, de familiares de presos políticos, de jornalistas e militantes de direitos humanos, mas ainda não sabe se a resistência do governo – que teme uma reação negativa por parte dos militares – será combatida. Na opinião dele, essa é uma luta que precisa ser fortalecida.
Já para Rodrigo Martins, o problema é o tempo. “A ditadura já tem quase trinta anos e você não vê, até hoje, um único torturador que foi responsabilizado pelos seus crimes e punido. Somente agora o Coronel Brilhante Ustra foi reconhecido como um torturador pela justiça brasileira. É muito tempo. Nesse meio tempo muitos torturadores e mandantes morreram em paz e impunes”.

Nesse momento, o jornalista e repórter da Isto É, Chico Silva, dá sua declaração sobre o assunto, pois publicou uma reportagem sobre o juiz argentino Gabriel Cavallo, que mudou as leis de anistia para permitir a punição dos torturadores. “É preciso uma interação do Cone Sul para as vítimas da ditadura. Tivemos a Operação Condor do mal e agora precisamos de uma Operação Condor do bem. Todos os três poderes da Argentina, Paraguai, Uruguai, Brasil e Chile deveriam trocar seus arquivos e não medir esforços para que os torturadores possam ser punidos”.

A Operação Condor foi uma aliança político-militar entre os vários regimes militares
da América do Sul - Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai - criada para coordenar a repressão a opositores dessas ditaduras instalados nos países do Cone Sul.

Isso foi uma hipocrisia, uma coisa nojenta, escrota. Eles conseguiram criar uma operação desta e ao mesmo tempo queriam se autodestruir, pois o Chile e a Argentina quase tiveram uma guerra por causa do Canal de Beagle – que era um pedaço de terra no fim do mundo - e o Chile ajudou a Inglaterra na guerra contra a Argentina. Aí você vê a canalhice desses caras que se uniam para nos matar e se separavam para se autodestruírem”, define Chico. Ele termina dizendo uma frase de Mino Carta: “O kap aperta o cérebro e atrapalha a sinapse, por isso que militar não pensa e faz as barbáries que vimos”.


"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá..."

Roda Viva- Chico Buarque

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