Após o golpe militar em 1964, reprimida em sua identidade, a população passou a ter voz por meio da música popular brasileira que ousava falar o que não era permitido à nação.
Diante da força dos festivais da MPB, no final da década de 1960, o regime militar se viu ameaçado, movimentos como a Tropicália com a sua irreverência passou a incomodar os militares. A censura passou a ser a melhor forma da ditadura combater as músicas de protesto e de cunho crítico que pudesse extrapolar a ideologia dominante e amiga do regime.
Diante da força dos festivais da MPB, no final da década de 1960, o regime militar se viu ameaçado, movimentos como a Tropicália com a sua irreverência passou a incomodar os militares. A censura passou a ser a melhor forma da ditadura combater as músicas de protesto e de cunho crítico que pudesse extrapolar a ideologia dominante e amiga do regime.
As canções amputadas pelo AI-5
Com a promulgação do AI-5, em 1968, esta censura à arte institucionalizou-se. A MPB sofreu amputações de versos em várias das suas canções, quando não eram totalmente censuradas.
Para censurar a arte e as suas vertentes, foi criada a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), por onde deveriam previamente, passar todas as canções antes de executados nos meios públicos. Esta censura prévia não obedecia a qualquer critério, os censores poderiam vetar tanto por motivos políticos, ou de proteção à moral, como por simplesmente não perceberem o que o autor queria dizer com o conteúdo. A censura além de cerceadora era de uma imbecilidade jamais repetida na história cultural brasileira.
Marcado como Ato mais voraz do Regime Militar, o AI-5 dá ao governo o direito de determinar medidas repressivas específicas, como decretar o fechamento do Congresso, das Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais. Permitia, ainda, cassar mandatos políticos e tirar quaisquer direitos individuais.
Todas as tribos na mira da censura
Alguns representantes da MPB eram vistos pelos militares como inimigos do regime, entre eles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Taiguara e Geraldo Vandré.A intervenção de Caetano Veloso era mais no sentido da contracultura do que contra o regime militar. Os tropicalistas estavam mais próximos dos acontecimentos do Maio de 1968 em Paris, do que das doutrinas de esquerda que vigoravam na época, como o marxismo-leninismo soviético e o maoísmo chinês. Mas os militares não souberam identificar esta diferença, perseguindo Caetano Veloso e Gilberto Gil pela irreverência constrangedora que causavam.
O inimigo nº 1 da ditadura
Geraldo Vandré tornou-se o inimigo número um do regime militar. A sua canção “Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores)”, que ficou com o polêmico segundo lugar no Festival Internacional da Canção, em 1968, tornou-se um hino contra a ditadura militar, cantado por toda a juventude engajada do Brasil de 1968. Esta canção, afirmam alguns analistas de história, foi uma das responsáveis pela promulgação do AI-5. Ficou proibida de ser cantada e executada em todo país. Só voltaria a ser ressuscitada em 1979, após a abertura política e a anistia, quando a cantora Simone a cantou em um show, no Canecão. Perseguido pelo regime, Geraldo Vandré esteve exilado de 1969 a 1973. Após o exílio, jamais conseguiu recuperar a carreira interrompida pela censura da ditadura militar. Calava-se uma expressiva carreira emprestada ao combate à ditadura.
O rebelde em carne e osso
Taiguara, uma das mais belas vozes masculinas da MPB, interpretou com maestria diversos gêneros musicais. Foi um dos cantores que mais se opôs contra a repressão da ditadura militar. Sua obra pagou o preço da perseguição e da censura. Deparou-se com a atenção da censura em 1971, que esteve atenta às canções do álbum “Carne e Osso”. Em 1973 teve 11 músicas proibidas. Perseguido pela censura, Taiguara teve muitas das suas músicas assinadas por Ge Chalar da Silva, sua esposa na época. Exilado em Londres, Taiguara gravou o álbum “Let the Children Hear the Music“, em inglês. O disco foi proibido de ser lançado, pela EMI, por decisão da Polícia Federal Brasileira. O compositor recorreu ao Conselho Superior de Censura, em 1982, tendo o disco finalmente liberado.
O Calabar da MPB
Tendo silenciado e asfixiado Geraldo Vandré, os militares elegeram o seu novo inimigo do regime: Chico Buarque de Holanda. No período que durou a censura e o regime militar, Chico Buarque foi o compositor e cantor mais censurado. A sua obra sofreu respingos da censura em todas as vertentes, tanto nas canções de protesto, quanto nas que feriam os costumes morais da época.
Os problemas de Chico Buarque com a censura começaram junto com a sua carreira. Em 1966, a música “Tamandaré”, incluída no repertório do show “Meu Refrão”, com Odete Lara e MPB-4, é proibida após seis meses em cartaz, por conter frases consideradas ofensivas ao patrono da marinha. Era o começo de um longo namoro entre a censura e a obra de Chico Buarque.
Exilado na Itália, de 1969 a 1970, Chico Buarque sofreria com a perseguição da censura após o retorno ao Brasil. Em 1970, recém chegado do exílio, o compositor enviou a música “Apesar de Você” para a aprovação da censura, tendo a certeza que a música seria vetada. Inesperadamente a canção foi aprovada, sendo gravada imediatamente em compacto, tornando-se um sucesso instantâneo. Já se tinha vendido mais de 100 mil cópias, quando um jornal comentou que a música referia-se ao presidente Médici. Revelado o ardil, o exército brasileiro invadiu a fábrica da Philips, apreendendo todos os discos, destruindo-os. Na confusão, esqueceram de destruir a matriz.
Em 1973 Chico Buarque sofreria todas as censuras possíveis. A peça “Calabar, ou o Elogio à Traição”, escrita em parceria com Ruy Guerra, foi vetada pela censura. As conseqüências da proibição viriam no seu álbum, “Calabar”, também daquele ano. A capa do disco trazia a palavra “Calabar” pichada num muro. Os censores concluíram que aquela palavra pichada tinha um significado subversivo, o que resultou na proibição da capa. A resposta de Chico Buarque foi lançar o álbum com uma capa totalmente branca e sem título.
Naquele ano de 1973, a música “Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil), foi proibida de ser gravada e cantada. Gilberto Gil desafiou a censura e cantou a música em um show para os estudantes, na Politécnica, em homenagem ao estudante de geologia da USP Alexandre Vanucchi Leme (o Minhoca), morto pela ditadura. Ainda naquele ano, no evento “Phono 73”, festival promovido pela Polygram, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando iriam cantar “Cálice”, por decisão da própria produção do show, que não quis criar problemas com a ditadura.
Em 1974, a censura não dá tréguas ao artista. Impedido de gravar a si mesmo, Chico Buarque lança um disco, Sinal Fechado (1974), com composições de outros autores.
Diante de tantas canções vetadas, a sofrer uma perseguição acirrada, Chico Buarque cria os pseudônimos de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva. É sob o heterônimo do Julinho da Adelaide que a censura deixa passar canções de críticas inteligentes à ditadura, lidas nas entrelinhas.
Quando o AI-5 foi extinto, em 1978, Chico Buarque vingou-se dos anos de censura, gravou “Cálice”, regravou “Apesar de Você”, além de criar músicas provocantes, que afrontavam à moral da época, como “Folhetim“, que descrevia uma prostituta, ou “Geni e o Zepelim” e “Não Sonho Mais”, temas de dois travestis, Genivaldo da peça “A Ópera do Malandro” e Eloína, do filme “A República dos Assassinos”, respectivamente.
Até Mario de Andrade, por "falta de gosto"
Na ignorância cega da censura, sem uma lógica que a sustentasse, até o poeta Mário de Andrade foi vetado. O fato inusitado aconteceu em 1970, quando a gravadora Festa decidiu homenagear os 25 anos da morte do poeta, preparando um disco com alguns dos seus mais conhecidos poemas. Após ser submetido à censura, o projeto teve seis poemas proibidos, entre eles “Ode ao Burguês” e “Lira Paulistana”. Os vetos foram justificados pelos censores como estéticos, “falta de gosto”. O que se concluía era que, os censores jamais tinham ouvido falar em Mário de Andrade, confundindo-o com um autor vulgar do Brasil da época.
Nem Adoniran com as canções da década 1950
Outro exemplo eloqüente da ignorância e do despreparo dos censores foi com o compositor e cantor Adoniran Barbosa. Conhecido como o mais paulistano dos compositores, Adoniran Barbosa usava em suas canções o jeito coloquial de falar dos paulistanos. Não querendo problemas com a censura, em 1973 o artista decidiu lançar um álbum com várias canções já gravadas na década de cinqüenta. Inesperadamente, cinco das suas canções foram vetadas, mesmo não sendo inéditas.
Odair José e Genival Lacerda vítimas da tesoura
Como já se pôde observar, a censura da ditadura militar não obedecia a nenhum critério. Qualquer ameaça não só ao regime por ela imposto ao país, como à sociedade conservadora que a ajudou a ascender ao poder e nele continuar por mais de duas décadas. Vestido de uma moral hipócrita, o regime militar barrava qualquer obra que suspeitasse ofender a moral, ou que se mostrasse obscena a essa moral. Em um mesmo contesto, tanto Chico Buarque, quanto Odair José, um cantor e compositor de sucessos popularescos, sem vínculos com qualquer militância política, ou mesmo o genial e popular Genival Lacerda, sofriam os reveses da censura.
Força bruta x Razão
Dentro de um processo repressivo, todos os argumentos tornam-se incoerentes, a razão é substituída pela força bruta. A censura não constrói uma lógica, muitas vezes ela percorre movida pelas decisões pessoais dos censores. Para manter as necessidades de uma ditadura, a censura fazia parte da arma de propaganda do estado repressivo, podava a liberdade de expressão, principalmente as que feriam os princípios que justificam um governo ilegítimo, emanado da força, da opressão e da traição aos princípios da democracia.
Colaboradores:
Mariana Pimentel
Natalia Fernandes
Felipe Della Torre
Adrien César
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