sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Ana Cristina D'Angelo e Soraya Aggege ensinam jornalismo investigativo aos estudantes

Numa noite de primavera e clima quente, muitos jornalistas aguardavam, ansiosos, para receberem suas premiações, e alguns jornalistas eufóricos para conseguir uma palavra que fosse dos convidados. Nosso trio, Camila, Bianca e Tatiana, decidiu saber um pouco mais das jornalistas que receberam menção honrosa na categoria Jornal, Ana Cristina D'Angelo de O Dia (RJ), com "Duas Justiças", e Soraya Aggege, de O Globo (RJ), com "Sem hospícios, morrem mais doentes mentais". Os jurados foram Rose Nogueira, Roland Sierra e Dr. Fábio Canton. Nossa primeira “batalha” foi descobrir quem eram afinal nossas entrevistadas, porque além de serem da mídia impressa, onde os seus rostos não aparecem, trabalham para jornais do Rio de Janeiro. Vencida a primeira batalha, vinha a segunda, perder o medo e conseguir nos aproximar delas. A primeira impressão nos assustou e a afirmação em conjunto foi “Ih, acho que não vamos conseguir”. E o evento continuou.


Com o fim da distribuição dos prêmios e o início da cerimônia em comemoração aos 60 anos da primeira Declaração de Direitos Humanos, criamos coragem para nos aproximar. “Olá Ana, somos alunas de Jornalismo da Universidade Cruzeiro do Sul, e estamos fazendo uma matéria para nosso blog Agência Cidadão, no final da cerimônia você poderia nos dar uma palavrinha?” a resposta foi surpreendente - “Pode ser agora!”.

Como foi receber o prêmio Vladimir Herzog?
O prêmio Vladimir Herzog é hoje considerado o prêmio mais importante do jornalismo, porque ele privilegia e reconhece trabalhos diretamente ligados à defesa dos direitos humanos. Não é um escândalo que um jornalista divulga que causa uma grande repercussão no país, vindo de uma divulgação já em curso da polícia, que são reconhecidos. Normalmente, são problemas da sociedade que são levantados pelos jornalistas e são em geral esquecidos. É a natureza do prêmio e como ele surgiu que o torna o mais importante do país.

Como foi realizar a reportagem “Duas Justiças”?
A reportagem duas justiças, ela nasceu da seguinte percepção: de que crimes de colarinho branco estavam prescrevendo, sem que essas pessoas que receberam condenações ficassem presas. E isso ocorre porque nós temos uma legislação que infelizmente tem penas brandas para esse tipo de crime e temos um sistema judiciário que é lento. Isso faz com que, normalmente, os criminosos do colarinho branco sejam privilegiados pela sociedade com bons advogados e com a estrutura lenta do Estado, que faz com que permaneçam impunes, sendo até condenados em primeira ou segunda instância, porém permanecem soltos até que o processo seja julgado. No decorrer da demora judiciária, eles continuam cometendo outros crimes e ao mesmo tempo do outro lado, estão os presos condenados. Quem são essas pessoas? São os pobres, que muitas vezes cumpriam pena acima do que deveriam e em alguns casos eram absolvidos em segunda instância, mas condenados em primeira. Eles não tinham o mesmo direito que os mais abastados, que respondiam em liberdade, direito que só é concedido para aqueles que têm um poder aquisitivo maior, então acabavam cumprindo a pena e depois descobriam que tinham sido absolvidos.

Qual sua opinião a respeito do Prêmio Vladimir Herzog direcionado aos estudantes?
Os outros prêmios privilegiam muito a carreira do jornalista, e tratam a notícia como produto, ela não é vinculada com objetivo de reportagem. No caso do prêmio Herzog, ele é motivo de orgulho para os jornalistas, porque ele não chega a ser um prêmio, na verdade é um reconhecimento de que você fez a escolha certa e de interesse público.

Você comentou que o foco do Jornalismo mudou, ele tornou realmente uma mercadoria?
Na verdade, sempre foi só que de uns tempos pra cá, até por uma função do processo democrático, formou-se um grupo de jornalistas daqueles que vêem a noticia como produto não importando o que está sendo veiculado e o grupo dos jornalistas voltado para o que eu chamo de Justiça Social do interesse público. Isso nasceu na época do Collor, quando começaram a fazer as investigações sobre os casos de corrupção, até então os jornalistas não tinham acesso a isso e nem preparo, que só foi acontecer com a democratização.
Quando olhamos para trás, percebemos que não sabíamos investigar e que com o processo democrático fomos evoluindo, a situação do jornalismo hoje é resposta deste processo e com isso é bem melhor de ser feito do que era antes.

Partimos para vencer a guerra e entrevistar a Soraya, com mais calma e segurança. Fomos muito bem recebidas não só por ela, mas por seus acompanhantes (tio e sobrinho) que também são jornalistas. A receptividade foi tão grande que participamos até de uma sessão de fotos particular da entrevistada. Nossa conversa aconteceu com muita naturalidade e a experiência da entrevista é inesquecível.

Como foi receber o prêmio Vladimir Herzog?
Foi uma honra muito grande, um orgulho, estou super emocionada com o prêmio. Eu acredito que é um espaço muito grande para mostrar um bom jornalismo, uma seleção criteriosa das notícias que fazem a diferença no país. São matérias geralmente que partem da indignação de ver algo e denunciar pelos meios de comunicação.




Qual sua opinião a respeito do Prêmio direcionado aos estudantes?
Isso foi ótimo. Acho um incentivo para os estudantes. Como disse sobre a indignação do jornalista, de ter olhos para as coisas que nem sempre estão na pauta diária, são matérias diferenciadas, que partem sempre da sensibilidade de cada repórter.

Como foi fazer a reportagem?
A minha matéria foi muito emocionante, tive que entrar em um mundo que eu não conhecia. O mundo da Psiquiatria. Antes eu achava que a luta antimanicomial era muito importante, que o governo tinha realmente transformado as coisas. Fecharam os manicômios, as pessoas ficavam livres e que estava tudo bem. Mas não foi isso que encontrei. Na verdade, eu senti que o governo cortou muitos gastos com esta questão de fechar os manicômios, não colocou nada no lugar e hoje grande parte dos doentes está na rua sofrendo. Porque hoje eu descobri também que doença mental dói, que uma pessoa que tem uma psicose ela sofre dor mental. Eu entrei um pouco neste mundo, visitei vários hospícios, manicômios, hospitais psiquiátricos de boa qualidade, mas fui encontrar meus personagens debaixo do viaduto, depois de aprender com os psiquiatras como identificá-los realmente. Diferenciar o alcoolismo de doença mental e isso me deixou muito surpreendida, porque com 22 anos de jornalismo eu não conhecia. Pra mim, foi emocionante ter este prêmio, justamente com esta matéria tão especial. Eu espero que estas matérias que fazemos, sempre ajudem a mudar alguma coisa, pelo menos despertar algumas consciências.


Após nossas perguntas e curiosidades, conseguimos com que nossas entrevistadas gravassem uma entrevista para TV Unicsul. E foi uma experiência maior ainda, para nós e para elas, porque ambas nos confidenciaram que preferem o jornalismo impresso ao televisivo, que se sentem mais a vontade com a escrita. O jornalismo nós ensina a cada dia buscar o novo, e nossas primeiras experiências com futuras colegas de profissão nos mostram que não existe nada impossível, basta dedicação.

Colaboradores:

Bianca Custodia

Camila Santana

Tatiana Cachoeira

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