quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Josmar Jozino da Silva defende o frescor da juventude, a não-mediocridade e os livros-reportagens como futuro do jornalismo

Beijos Mortais
Não quero lhe falar,
Meu grande amor,
Das coisas que aprendi nos discos.
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo.
Viver é melhor que sonhar...





















Foto de Cibele Sugano

Este trecho da composição de Belchior representa bem o sentimento despertado durante a conversa com Josmar Jozino da Silva, ganhador da menção honrosa na categoria Livro-Reportagem do 30º Prêmio Vladimir Herzog – 2008.

No seu livro “Casadas com o crime”, o repórter de polícia do Jornal da Tarde invade a realidade dos presídios brasileiros. Sua forma de descrição é direta e delicada, preocupando-se sempre com as descrições ricas dos locais, das situações e das suas “personagens-reais”. Em contrapartida, os diálogos são secos, rápidos e violentos, agindo como metralhadoras e dando velocidade e dinamismo ao texto:
“Chovia e ventava forte naquela manhã de março de 1990. Era sábado. Branca saiu de casa com o guarda-chuva caindo aos pedaços. Fora comprar pão na padaria da distante Cidade Tiradentes. Medonho, em jejum, bebia um rabo-de-galo em pé, encostado ao balcão, perto do caixa...
- Quem é?
- É a polícia. Abra a porta.
- Polícia? Mas a essa hora. O que vocês querem?
- Sabemos que o Medonho está escondido aqui, respondeu um homem, aos gritos. Abra a porta!"

O escritor conta ainda em seu livro as histórias de mulheres de detentos que acabaram presas por envolvimento nas ações dos maridos e informa que apesar de a maioria dos nomes e apelidos serem fictícios, as histórias são reais.

Com 25 anos de jornalismo, ele ratificou que a elaboração de um livro não é fácil, e no seu caso pior ainda devido ao tema do livro ser intrincado e polêmico. “É um processo lento, dificultoso e burocrático, dependendo de inúmeras autorizações e contatos com presos e empresas de gestão penitenciária. Os relatos saem muitas vezes escondidos e a polícia fica em cima”.

O crime organizado; as mulheres parecidas e seus relatos totalmente diferentes, onde a intimidade inexiste; os direitos humanos, o sistema penitenciário falido, leis retrógradas e ressocialização dos ex-detentos é a resposta dada pelo jornalista ao ser indagado sobre o conteúdo de seu livro.

Cansado de perguntas similares e meio entediado com a tietagem, Jozmar diz que só tenho direito a mais duas perguntas. Não há tempo para pensar e disparo:

Qual o futuro do jornalismo?
O frescor da juventude, a não-mediocridade e os livros reportagens. Tenho que vender meu peixe, né? (risos)

Do que você tem medo? Por um momento pensei que tinha feito a pergunta mais idiota do mundo. Ele parou, respirou fundo, meio emocionado e respondeu catedrático.

Eu tenho medo do tratamento dos ricos para com os pobres, do descaso do governo, do crime organizado, dos políticos, da mídia tendenciosa, da fome universal, da miséria globalizada, da tortura velada, do tráfico sexual mundial, da polícia brasileira e da ausência de projetos educativos contundentes.

Pensando nas palavras de Josmar lembro de outra música, dessa vez de Renato Russo:

Vamos celebrar a estupidez humana.
Vamos celebrar nosso governo.
E nosso Estado, que não é nação.
Celebrar a juventude sem escolas, as crianças mortas e os mortos por falta de hospitais.
Vamos celebrar nossa justiça.
A ganância e a difamação.
Vamos celebrar os preconceitos.
O voto dos analfabetos.
Comemorar a água podre.
E todos os impostos.
Queimadas, mentiras e seqüestros.
O trabalho escravo.
Todo roubo e toda a indiferença.
Vamos celebrar epidemias.
Vamos celebrar a fome.
Vamos cantar juntos o Hino Nacional.
A lágrima é verdadeira.
Vamos festejar a violência.
E esquecer da nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Nosso descaso por educação
Nosso futuro recomeça:
Venha que o que vem é perfeição...

Josmar Jozino da Silva é um brasileiro nativo, puro e límpido. Um impávido colosso que criva sua lança no peito dos brasileiros com suas reportagens ácidas. Ao final da entrevista, o gigante esquálido de apenas 60 kilos quase chora. Quase. Não deve ter mais lágrimas. Uma pena, pois suas lágrimas seriam verdadeiras como suas palavras...

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