quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O jornalismo popular de Marcelo Netto

Durante a comemoração do Jornal Brasil de Fato, em 2007, procurei meu entrevistado. Ouvi falar de sua história, o jornalista que pediu demissão da Folha de S.Paulo e foi morar em um acampamento do MST. Marcelo Netto, deu adeus ao jornalismo da mídia corporativa e foi em busca de conhecimento, de um contado direto com os excluídos.
Mas quem é exatamente esse homem que deixa um emprego, um jornal da grande mídia e muda radicalmente o rumo de sua vida?
Marcelo formou-se no colegial em técnico em processamento de dados numa época que não existia internet, nem mesmo os computadores pessoais nas casas das pessoas como existe hoje, mas não chegou a atuar na área de exatas.
Filho de um padre que deixou a batina para se casar com uma postulante à freira, Marcelo viveu num ambiente familiar onde a indignação frente à injustiça social sempre o acompanhou – isso o fez naturalmente buscar uma profissão em que ele pudesse servir como se fosse um "sacerdócio" em prol da comunidade e de um país mais justo.
Aceitando o convite de um padre espanhol, um revolucionário de esquerda, Marcelo foi para Europa, onde deveria servir-lhe de motorista. Esteve em contato com uma visão global da História e do velho continente, conhecendo parte dos povos, lugares, línguas, museus - com peças roubadas dos países colonizados, e assim foi possível entender com mais embasamento por que o Brasil é assim e ter à disposição mais ferramentas para serem usadas contra as injustiças correntes no país.
De volta ao Brasil, como jornalista, Marcelo sentia que precisava de mais conhecimento para poder escrever investigar e produzir as notícias. Isso porque, segundo ele, não existe a tal de neutralidade jornalística. Quando se escreve, mesmo uma notícia aparentemente corriqueira, mesmo quando se assemelha a apenas um relato formal, este que escreve sempre se utiliza de sua visão de mundo. Na escolha das palavras, do enfoque ou da compreensão do fato.
Em 2000 entrou na Folha de S.Paulo, e logo percebeu que não estava de acordo com aquele jornalismo e com os interesses da empresa – “não existe liberdade de imprensa, mas sim de empresa”. Trabalhou na Ilustrada por 6 meses. Quando já havia tomado a decisão se demitir, censuraram uma entrevista que havia feito com o frei Betto e o Emir Sader, na qual defendiam o socialismo e o MST. Não foi somente essa censura o motivo de sua saída do jornal, mas a confirmação do que via diante de seus olhos e que ia contra aquilo que ele acredita. Não podia trabalhar para um jornal que é, entre outras coisas, contra a reforma agrária, a favor do neoliberalismo às custas da exploração do mais “fudido” ,explica, travestindo todas as suas notícias como se isso fosse o melhor caminho a ser seguido, omitindo descarademente quem paga o pato por essa escolha que beneficia uma elite e subordina o país ao capital financeiro internacional em detrimento da soberania do nosso povo.
Em uma época em que ainda não se pensava na criação do Jornal Brasil de Fato, Marcelo de certo modo, estava dando adeus ao jornalismo. Pediu demissão, trancou a matrícula na faculdade e foi acampar. Foram 5 anos morando em um barraco de lona.
Sua primeira participação no Jornal Brasil de Fato foi como colaborador para a edição número 1, em 2003, sobre o Aqüífero Guarani. Nesta época, Marcelo estava acampado junto a famílias do MST, ainda em sua busca por servir como “sacerdócio” .
Ingressou no Brasil de Fato em 2005, como repórter, escrevendo sobre reforma agrária, movimentos sociais, indígenas, quilombolas e internacional como um todo.
Para Marcelo, mesmo com todas as deficiências, é um sonho realizado poder escrever ou editar matérias sobre o Brasil e o mundo sabendo que os ideais mais nobres e justos da humanidade estão sendo contemplados e divulgados através de uma leitura do mundo que ajudamos os leitores a interpretarem. Algo que jamais imaginou que pudesse fazer com o jornalismo no Brasil. Quando perguntei sobre a importância do Jornal Brasil de Fato para os movimentos sociais ele me respondeu que o jornal é uma ferramenta nas mãos das pessoas que não colocam o capital acima da vida e que precisam de subsídios para enfrentar um debate com aqueles que não conseguem enxergar que estão sendo manipulados por uma mídia com interesses comerciais - para dizer o mínimo. O Brasil de Fato pode se comparado a uma semente frente ao poderio dos meios de comunicação de massa e à mensagem que introjetam na cabeça das pessoas, mas assim como semente, mesmo que pequena, quando constantemente regada, frutos sempre florescem.
Hoje, nosso militante é um dos três editores do jornal. Ele resume seu trabalho atual de edição a dar títulos, linhas finas, pautar, trazer um enfoque diferente para uma matéria, pensar a capa do jornal, a comunicação visual (fotos e gráficos) com a escrita, cortar textos para deixá-los no tamanho.
Uma simpatia de pessoa que mesmo com muitos afazeres, parou para uma entrevista rápida, mas que com certeza foi inesquecível para mim, vê-lo descrever sua história de vida e com que devoção ele cumpre sabiamente seu “sacerdócio” foi um aprendizado.

Um comentário:

Renata Santos Lemes disse...

PARABÉNS, SILVIA!
A entrevista ficou muito boa.
Você escreve bem!