sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O criado falante

Há muito tempo não falava com um primo muito querido. Um cara super bacana, cheio de sonhos e...romântico. Ligou-me para chorar as lamúrias de quem leva um fora daqueles. Ainda mais com tanto tempo de namoro e afinidade – ou seria desafinidade? – com a garota.
Falamos por horas e ouvi dezenas de vezes o discurso de quem leva um pé no traseiro. Verdade. Existem dois discursos nesses momentos. De quem leva o fora ou de quem da à tão dolorida bicuda no popozão.
Lembrei dos meus discursos – e olha que não foram poucos. Mas acho que o pior é refazer a vida como muitos gostam de falar. Eu, em particular, prefiro continuar a vida. Sim, não refazemos nada, apenas continuamos após ouvir o “não da mais”. Lembro-me de terminar uma relação de anos e precisava fazer a faxina e dar fim aos presentes, cartões, apagar o telefone do celular e tentar esquecer o endereço da bendita. Mas não fiz. Aos poucos fui continuando minha vida e encontrei uma outra pessoa pra me ajudar a achar o caminho. Assim, decidi tirar varias coisas de casa, inclusive um criado mudo que havia ganhado. Mudo até eu mexer com ele.
Numa das minhas mudanças, eu e a nova pretendente estávamos no elevador e carregando o criado-mudo quando entra uma família inteira. Pai, mãe e uma garotinha de uns quatro anos.
Por educação, fui cumprimentar o sujeito e pra isso, soltei uma das mãos do móvel. Foi quando ele – o criado – se aproveitou para entregar minha vida de solteiro. Abrindo uma gaveta e jogando no chão toda a privacidade de um homem solteiro, trintão e que mora sozinho.
Ainda tentei com um jeitão desengonçado segurar a língua do danado, mas não deu. Logo de cara e de cara pra cima e aberta (bota aberta nisso) caiu à revista da sexy – gosto da sexy porque essas revista é diferente da playboy que só mostra pêlos e pra ver pêlos, vou a um pet shop. O paizão deu uma olhada para minha cara e deve ter imaginado que eu passaria horas no banheiro com a tal publicação. Foi parar nos pés da mamãe o KY que já havia sido usado algumas vezes e deu para perceber na cara dela que já conhecia aquele produto. Minha pretendente estava estática, com o rosto vermelho – só não entendi se era de vergonha ou raiva do que estava vendo. Ao lado dela, caiu um bilhete já bem amarrotado com um telefone e uma marca de batom com o dizer “vamos repetir essa noite”. Já fui explicando que aquilo era de um passado bem distante, mas o olhar dela me fritava.
Sai recolhendo ainda duas pilhas velhas e já vazadas, umas sete canetas bics que não funcionavam mais, um fone de ouvido com um lado quebrado, uma agenda faltando folhas, o relógio que ganhei quando fiz 15 anos, um livro de Machado de Assis que nunca li e nem lembro o titulo. E depois de tanta coisa, consegui coragem para pegar do chão minha cara. Ao chegar ao térreo, a família saiu sem olhar para trás me deixando com minha vergonha e meu passado todo no chão. A minha pretendente? Deixou um bilhete na portaria dizendo “não dá mais”.

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