Ricardo Kotscho, um dos maiores repórteres do Brasil, ex-assessor de imprensa do presidente Lula, completou 60 anos, 40 deles vividos para o jornalismo. Escreveu sobre as tensões de Serra Pelada e sobre os conflitos de terra no Araguaia. Repórter de vários veículos: Estado de S.Paulo, Época, Folha de S.Paulo, IstoÉ, TV Globo, Jornal do Brasil. Vencedor de prêmios Esso de Reportagem e Vladimir Herzog.
Foi acompanhado da netinha que encontrei Kostcho na entrada do TUCA para mais uma homenagem ao amigo morto covardemente há 30 anos. É, sem dúvida, a mais clara demonstração de que a ideologia e a amizade falam mais alto para Ricardo Kotscho.
No governo, como assessor do presidente, ganhava três vezes menos do que recebia na Folha, onde trabalhava antes de ir para o planalto. Amigo do ex-sindicalista desde a campanha eleitoral para a presidência em 1989, quando foi seu assessor pela primeira vez, em 2005, Kostcho deixa o governo chateado. Não imaginava que a corrupção e escândalos seguidos voltaria com tamanha dimensão.
A esperança e o lado bom de um Brasil triste pela impunidade são exaltados em seu livro Cartas do Brasil, com crônicas sobre o país que derrubou o presidente Collor. Mas não perde a esperança.
Ricardo, não tem como começar esse bate papo sem tocar no momento que você ficou em Brasilia. Como foi a experiência na Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República?
Para mim foi uma experiência muito dolorosa e sofrida, pois nunca pensei em fazer isso na vida e, ao mesmo tempo, foi muito gratificante, porque aprendi muito, convivi com muita gente e conheci o poder por dentro. Mas não é uma coisa que eu recomende a nenhum amigo fazer, porque você trabalha muito, apanha muito, ganha mal e nunca consegue atender aos interesses do governo e da imprensa ao mesmo tempo. Eu costumava brincar e dizer que eu só tinha dois problemas em Brasília: o governo e a imprensa.
Por que você saiu do cargo?
Eu ia ficar só um ano em Brasília. Eu tinha combinado isso, porque fui sozinho, minha família não estava lá. Então, tive que ficar mais um ano, o ano de 2004 e, desde o começo, estava acertado que ia embora no fim do ano.
No período que estava lá, você soube de algum esquema de corrupção?
Eu fiquei sabendo de muitas coisas, não na dimensão das que estão acontecendo hoje. A minha função era não só divulgar informações do governo para a imprensa, mas também trazer informações que eu tinha como jornalista, que, muitas vezes, eram transmitidas pelos próprios colegas jornalistas. Mas coisas menores, de funcionários, que eu passava para o governo investigar.
No livro Cartas do Brasil, você faz duras críticas ao formato de jornalismo atual. O jornalista virou um "mero preenchedor de formulários, um lavrador de boletins de ocorrência"?
Essa é a regra, mas há exceções, como em tudo. Em cada redação, você encontra gente disposta a brigar para fazer uma matéria, uma reportagem, viajar, sonhar, insistir... De uma forma geral, acho que as pessoas estão muito acomodadas, estão muito burocráticas, falta tesão. E o grande lance da imprensa de hoje é a denúncia. Qualquer coisa é papel, qualquer dossiê, qualquer fita. Eu nunca fui disso. Sempre gostei de sair com um fotógrafo, um motorista e ir atrás...
Vamos falar da sua indicação para mais um Prêmio Vladimir Herzog. De todos os prêmios Vladimir Herzog, qual você considera o mais marcante?
Eu ganhei duas vezes, mas não lembro das matérias, por incrível que pareça! (risos)
Durante sua carreira já chegou a sofrer ameaças de morte? Como você reage nesses casos?
Ameça de morte, tortura, graças a Deus escapei! Apesar de eu ter sido de uma geração onde muitos sofreram com isso.Eu era amigo do Herzog, mas sempre fui muito medroso, o que foi bom, porque sempre procurava ficar longe quando havia conflito com a tropa de choque, com aqueles helicópteros do exército... Então sempre que acontecia isso, eu ia para um bar tomar cerveja e depois procurava saber o que tinha acontecido.Cheguei a receber recados de ameaça quando fiz duas reportagens, uma sobre as mordomias na época do regime militar referente aos privilégios do militares e outra onde denunciei a morte de Manoel Fiel Filho, um operário assassinado na prisão, do mesmo jeito que o Vladimir Herzog, só que eles abafaram, esconderam o corpo e eu consegui levar essa história à mídia. Então, os militares ficaram nervosos comigo.
Então você chegou a ser exilado?
Não, não fui exilado. Recebi alguns avisos e por isso resolvi passar um tempo na Alemanha, fiquei dois anos por lá.
O que você tem a dizer para centenas de milhares de jovens que estão sonhando em trilhar uma carreira jornalística, hoje. O que você aconselha?
Eu procuro contar histórias boas, que também existem. Tempos atrás, fui para Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte, que já conhecia, mas não sabia de uma história de lá, os xeiques do sertão. A Petrobras faz exploração de petróleo em terra entre Natal e Mossoró e gente pobre está ganhando dinheiro, porque lá foi encontrado petróleo. Os filhos dessas pessoas estão podendo estudar em faculdades, coisa em que nunca pensaram. E eu imagino: se fiquei sabendo disso numa tarde que passei por lá, quantas outras histórias como essa existem? O pessoal mais novo deveria ir atrás disso. Sair das capitais, sair dos grandes centros, da política de Brasília e mostrar o Brasil real, que foi o que eu procurei fazer a vida inteira.
Suellen Pinheiro