quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A Igreja dos pobres

Assista o filme de Helvécio Ratton baseado no livro de Frei Betto.
Visite também o site http://www.batismodesangue.com.br/

A separação entre religião e política faz parte do ideário republicano. No Brasil, desde o final do século XIX, esta separação habita a república de nossos sonhos. Ao mesmo tempo, bem o sabemos, na história do Brasil real, com variações surpreendentes em termos de perfil ideológico de candidatos e partidos, instâncias da Igreja Católica, denominações evangélicas históricas, líderes das religiões espíritas Kardecistas e afro-brasileiras participaram de acordos eleitorais. Ao longo dos anos, estes “funcionários religiosos” influenciaram a política a partir de seus templos, Igrejas, centros e terreiros sem enfraquecer a “comunidade religiosa”, sem colocar em risco sua razão de ser. Uma condição histórica garantia a ordem das coisas: a hegemonia da Igreja Católica no Brasil. Religião dominante, sem concorrentes à altura para competir na influência política.


João Elias Nery, 45 anos, pós-doutor em Comunicação Social, nos contou um pouco sobre sua experiência pós-regime militar, época em que o fantasma da tortura e de todo o sofrimento passado por professores e amigos mais velhos se refletiu em sua geração. Nery começou na vida política na década de 1970, no período um pouco mais tranqüilo em relação a ditadura. Estudou em um colégio Católico o que lhe proporcionou participar de grandes debates entre a parte conservadora da igreja e a progressista, também participou de grupos de jovens de Igrejas Católicas da Zona Sul, e mais tarde como católico na campanha de fundação do Partido dos Trabalhadores, momento que mais participou da militância católica progressista, ajudando na elaboração de material de divulgação, campanhas para jornais da imprensa alternativa e participação da organização de atos contra o regime e pela democratização.

Sua relação com a Ditadura esta inicialmente ligada a Professores e Amigos que viveram a primeira fase?
Sim. Estudando em um colégio salesiano e trabalhando em uma agência de publicidade na adolescência convivi com professores e publicitários que se envolveram na luta contra a ditadura. Também a participação em grupos de jovens católicos teve essa característica, colocando-me diante dos problemas políticos e econômicos vividos pela população mais pobre da cidade de SP.

Como foi o período ditatorial em sua vida? O que mudou? Quais foram as dificuldades?
A ditadura era algo que pairava acima e além da vida dos brasileiros que levavam uma "vida normal": de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Ela estava lá, mas a maioria não percebia. Como diz Chico Buarque "Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída...". Como membro de uma dessas famílias, acompanhei de longe, ainda na infância o movimento dos militares. Eles nos obrigaram a cantar os hinos, a ter aulas de disciplinas que visavam nos fazer aceitar a ordem estabelecida, a ver a tevê na qual o Brasil era uma ilha de paz em um mundo dividido pela guerra fria. Cresci, virei adolescente e aí vieram os problemas: este livro não pode; aquele filme não é bom para sua formação; o trabalho pastoral deve ajudar as pessoas a entender que o mundo é assim mesmo. A família começou a se preocupar: um comunista na família!!! A solução: chamar o padrinho de crisma, padre, para dar uns conselhos. Não adiantou, pois já tinha entrado no mundo da dúvida, do questionamento. O conservadorismo da família de classe média e dos padres salesianos não foi capaz de alterar isto e, até o final dos anos 1970, me envolvi com atividades lícitas ou não como "área de influência" de grupos políticos.
Quando e como a Teologia da Libertação surgiu em sua vida?
A teologia da libertação surge no âmbito da própria família, que designou um padre das relações familiares para ser padrinho de crisma. Ele não era ligado à teologia da libertação, mas tinha amigos que eram e a igreja que freqüentei no período ficou dividida entre ações assistencialistas e a ação política. No grupo de jovens também aconteceu. A juventude católica envolveu-se diretamente com o movimento e eu "embarquei".

Em sua opinião existia algo semelhante no mundo?
A teologia da libertação é uma leitura engajada, em uma perspectiva crítica, da bíblia. Ela teve grande importância em diversos países, principalmente na América Latina. É uma resposta da igreja católica ao mundo da guerra fria e, como ela, outras religiões buscaram respostas àquela situação. Na cultura ocidental ela é a mais expressiva, mas entre os evangélicos também há movimentos de resistência, como o representado por pastores negros nos EUA, por exemplo. No oriente, há diversas manifestações que emergem no pós segunda guerra, entre japoneses, chineses e no oriente médio. O islamismo que vemos hoje opor-se à política estadunidense é uma resposta à crise de valores do ocidente cristão.
O colégio católico pode ser considerado sua base em relação a sua militância com a teologia da libertação?
Não. os salesianos configuram-se como ordem conservadora na igreja católica. Seu conservadorismo acabou por me levar a buscar respostas diferentes aos problemas que via. As aulas de religião, Educação Moral e Cívica, a extrema disciplina à qual éramos submetidos geraram um inconformismo que a militância na juventude católica com orientação da teologia da libertação foi capaz de superar.
Qual sua visão histórica sobre a Teologia da Libertação?
A teologia da libertação surge em um contexto político no qual a igreja católica faz uma opção "pelos pobres". É uma elaboração teórica a partir da história do século XX, dos conflitos do período pós segunda guerra mundial e indica práticas de envolvimento político dos militantes católicos. Há um filme sobre a revolução sandinista nicaraguense, "Sob fogo cerrado", dos final dos anos 1970, no qual um padre, com o perfil da teologia da libertação, preso pelo governo do ditador Somoza, diz a um jornalista estadunidense também preso: de que lado você está. O jornalista diz que só cobre a guerra, que não tem lado. O padre responde: vá para casa. A teologia da libertação era isso: era preciso escolher um lado.
Atualmente desenvolve algum projeto relacionado á ditadura?
Minha carreira acadêmica tem os anos 1970/1980 com referência, ou seja, pesquiso mídia e sociedade durante a ditadura. No mestrado, analisei o humor gráfico da grande imprensa e da imprensa alternativa; no doutorado, charges no pós-ditadura; recentemente concluí um pós-doutorado no qual estudo a censura a livros na década de 1970.
Qual sua visão sobre a figura do Papa na igreja católica? Apóia ou não o estereótipo formado historicamente?
Vivemos num mundo simbólico. O Papa é um ícone da cultura católica. Mais que um estereótipo, é uma referência de uma cultura estabelecida. Como imagem, cumpre o papel de unificador. Se deixar de fazer isto, a igreja católica se desintegrará. Como não me considero mais católico, apesar da cultura religiosa permanecer como uma referência, não vejo importância na figura papal, com seu conservadorismo explícito.
Como o governo brasileiro reagiu diante da teologia da libertação no período da ditadura militar?
Com o que sabemos por livros como "Batismo de Sangue" ou relatos de padres que sobreviveram às perseguições: violência, intolerância, assassinatos.





    Frei Tito foi preso por participar de um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna. Foi fichado pela polícia e tornou-se alvo de perseguição da repressão militar. No dia 04 de novembro de 1969, foi preso juntamente com outros dominicanos pelo delegado Sérgio Fleury, do DOPS. Durante cerca de trinta dias, sofreu torturas nas dependências deste órgão. No dia 10 de Agosto de 1974, seu corpo foi encontrado suspenso por uma corda. A causa da morte – suspeita de suicídio – tornou-se um enigma.



BREVE CRONOLOGIA DA IGREJA CATÓLICA

1955 - I Conferência Episcopal Latino-Americana, no Rio de Janeiro/CELAM. Fundação da mesma
1962-1965 - Concílio Vaticano II
1964 - Golpe civil-militar no Brasil
1967 – 26/03 - Encíclica Populorum Progressio, de Paulo VI.
1968 - 26/08 a 06/09 - II Conferência Episcopal Latino-Americana, em Medellín (Colômbia)
1979 - Conferência de Puebla
1980 - Morre assassinado em El Salvador o arcebispo Oscar Arnulfo Romero.
06/8/1984 - “Instrução” da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a Teologia da Libertação
07/9/1984 - Imposição de silêncio a Leonardo Boff, um dos principais teólogos da libertação do Brasil.
1999 - Morre Dom Hélder Câmara, criticado pelas direitistas como o “bispo vermelho”, um dos representantes da Teologia da Libertação.


Esteve preso por duas vezes sob a ditadura militar: em 1964, por 15 dias; e entre 1969-1973. Após cumprir 4 anos de prisão, teve sua sentença reduzida pelo STF para 2 anos. Sua experiência na prisão está relatada no livro Batismo de Sangue. O livro descreve os bastidores do regime militar, a participação dos frades dominicanos na resistência à ditadura. Atualmente, Frei Beto é militante de movimentos pastorais e sociais.

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