Foto de Mariana Pimentel
Estava apreensiva e ansiosa, apesar de ter lido tanto sobre Zuenir Ventura. Custei a acreditar que era ele quem eu via na minha frente. Recuei um pouco, minhas mãos tremiam. Ele estava descendo as escadas quando ‘cutuquei’ seu ombro. Ventura se virou e olhou para mim. Minhas pernas começaram a tremer. Sorrindo, ele disse que falaria comigo. De tanta emoção, esqueci de falar meu nome, só disse que era aluna de Jornalismo da Universidade Cruzeiro do Sul, da Agência Cidadão de Notícias.
Ele parou e ficou na minha frente. Peguei o gravador de voz e o papel com as perguntas, quase não consegui abrir o papel de tanto que tremia, pensei em me desculpar, mas não o fiz porque não deu para perceber. Zuenir tinha um olhar sereno e, atento, ouviu minha primeira pergunta: " O que esse prêmio especial da ONU representa para o senhor?" Me surpreendi, pois consegui dizer tudo sem gaguejar, em alto e bom som.
Imaginei que ele ficaria inibido com o gravador, mas aconteceu o contrário. Ele respondia olhando para meus olhos: "Representa muito. Estou muito orgulhoso de receber, porque, primeiro, ele foi concedido pelos colegas. Isso significa que a defesa dos direitos humanos deve ser uma obrigação, dever cívico, de todos os jornalistas. Por isso que, para mim, tem um valor simbólico muito grande".
Ele ganhou o Prêmio em 1989 (o ano que eu nasci), ele confirmou e falou um pouco de Vlado. Aproveitei o gancho: "Como era sua relação com Vladimir Herzog?"Visivelmente emocionado, ele respondeu: "Nós éramos amicíssimos, porque ele trabalhava numa revista em São Paulo e eu no Rio. De quinze em quinze dias, eu vinha para São Paulo e ficava na casa dele. Para mim, o prêmio teria um significado maior se ele estivesse vivo."
Depois de um pouco mais de um minuto fiquei mais tranqüila e fiz outra pergunta: "Como o senhor observa o jornalismo brasileiro hoje e aquele dos tempos da ditadura?"Rindo, ele respondeu: "Hoje, é muito melhor! Porque se tem mais liberdade. A liberdade absoluta não existe, mas, pelo menos, se tem a liberdade de noticiar tudo o que acontece; não existe nada nesse país que não seja noticiado por algum jornal, revista ou pela televisão".
Como tinha lido algumas opiniões de jornalistas sobre a questão da liberdade de imprensa, aproveitei e falei que alguns dizem que existe a "liberdade de empresa". Ventura deu uma resposta mais longa: "Claro. A "liberdade de empresa" é nossa liberdade profissional. Ela não é absoluta, você não pode chegar no jornal e escrever o que você quer, nem sempre é assim. Mas eu também nunca escrevi o que eu não quis, nunca fui obrigado. É uma coisa relativa. Temos que aprender que a sua liberdade termina quando começa a liberdade e o direito do outro. Não temos mais aquela censura inicial que tinha um censor dentro da redação".
Mandei a última pergunta: "Como foi o trabalho de pesquisa para a elaboração do livro '1968 – o ano que não terminou' "? Zuenir explicou: "Durante 10 meses eu não fazia outra coisa. Os anos de 87 e 88... eu confundo com 68 (risos). Li todos os jornais e revistas de 68. Foi legal! "
Um pouco sem graça ainda, eu terminei a breve entrevista: "Bom, então é isso!"Ele me beijou e deu um abraço. Quase o deixei no vácuo, quando ele deu o segundo beijo, pois em São Paulo costumamos dar só um e no Rio costumam dar dois. Ele deu risada e falou: "Vocês economizam muito!"
Esta foi a primeira entrevista que fiz e não poderia ter sido melhor e mais emocionante. Fiquei lisonjeada de poder ter visto e falado com um grande jornalista e escritor que sofreu na ditadura, foi preso, lutou e continua com muita esperança.
Foto de Bianca Custódia